quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Tiago Brandão Rodrigues - No centro do mundo, com Coura no coração

Há várias semanas que o telemóvel e o computador de Tiago Brandão Rodrigues não lhe dão descanso. São telefonemas, SMS, videoconferências, posts no Facebook que se sucedem em catadupa. Pelos melhores motivos. O estudo que o jovem investigador português desenvolveu e que permitirá o diagnóstico precoce da eficácia dos tratamentos contra o cancro, saltou do laboratório de Cambridge, onde trabalha há três anos, para as páginas da revista Nature Medicine e daí conquistou a comunidade científica e médica. Conquistou uma notoriedade e um mediatismo que contrastam com a forma de ser de Tiago Brandão Rodrigues, um filho de Coura que não esquece as suas origens.
Foi disso mesmo, do seu estudo, do seu percurso, das suas ideias para o futuro, que falou numa entrevista feita à distância, por videoconferência, numa madrugada duma semana onde o seu nome dominou primeiras páginas de jornais e revistas, em que a sua voz foi ouvida na rádio e na televisão.
Primeiro o estudo, o tal que promete revolucionar o tratamento do cancro (e eventualmente de outras doenças, prevê Tiago). Um estudo que partiu “da necessidade de conseguir entender se determinado tratamento está a funcionar numa fase precoce”, esclarece, adiantando que se debruçou sobre um diagnóstico feito por uma ressonância magnética hipersensível que permite medir o consumo de glicose e, tendo em consideração que os tumores têm um consumo de glicose superior, irá permitir uma mais rápida aferição dos resultados do tratamento. “Às vezes os resultados, neste tipo de tratamentos, demoram a surgir e isso faz com que seja demasiado tarde para voltar atrás e apostar noutro tipo de tratamento. Com esta nova tecnologia conseguimos ver mais cedo se o tratamento está a resultar”, explica Tiago Brandão Rodrigues, que não se cansa de assinalar que este estudo é resultado dum trabalho de equipa e de quatro anos de investigação.
Um trabalho que ainda não está terminado, longe disso, adianta o responsável pela investigação que aguarda agora a aplicação do seu estudo em ensaios clínicos, um processo “moroso e caro”, mas que comercialmente é muito importante. “Por cada 10 mil medicamentos desenvolvidos em laboratório, apenas um chega ao mercado”, explica Tiago Brandão Rodrigues que, ressalvando que não se trata duma técnica para curar o cancro, lembra a importância do seu trabalho no diagnóstico da eficácia do tratamento.

Um desafio constante
Tiago está em Cambridge há três anos. Foi para lá que seguiu depois do seu doutoramento em Madrid. “Estou em Inglaterra porque quero e vim para aqui porque entendi que era isto que queria fazer”, esclarece logo à partida, deitando por terra qualquer sensação de vitimização por ser obrigado a trabalhar fora do seu país. A isso voltaremos mais adiante. Por agora Tiago vai explicando as virtudes de trabalhar num país onde existe uma cultura de apoio à ciência muito diferente da que vemos por cá. “Existe muita exigência, uma competitividade enorme, mas podemos marcar a diferença. E podemos dar-nos a esse luxo porque o país tem as necessidades básicas asseguradas e a sociedade reconhece a importância da ciência, especialmente enquanto gerador de recursos”, elucida Tiago Brandão Rodrigues, que fala ainda da importância da filantropia no apoio à ciência. “A sociedade entende que o pagamento de impostos não chega para esta área e não fica à espera do Estado, mobilizando-se na captação de recursos”, adianta o investigador português, que lembra os vários eventos que são organizados co vista à angariação de receitas, na ordem dos muitos milhares de euros.
E depois há a parte pessoal, aquela que reconhece a importância de estar inserido num meio académico como o de Cambridge. “Viver aqui é um desafio constante”, exulta, falando das virtudes de ter uma das capitais da Europa ali mesmo ao lado, da multiplicidade de nacionalidades patente no laboratório em que trabalha (15 diferentes, num total de 20 técnicos), da riqueza cultural de Cambridge e da sua excelência e referência enquanto cidade académica, onde 99% dos alunos acaba o curso no tempo devido. “Sinto-me aqui como uma criança de 10 anos na Disney”, assim resume Tiago a sua vivência em terras de sua majestade.
Surge, então a pergunta inevitável: será ele, também, um dos frutos da falada “fuga de cérebros” do nosso país? A resposta já tinha sido dada antes, e volta agora, novamente firme: “Estou aqui porque quero!” E, acrescenta, fuga de cérebros sempre existiu, não só a nível das ciências. “Existe claramente êxodo de trabalhadores e no campo das ciências isso é prejudicial., mas a mim preocupa-me tanto a saída de cientistas como de engenheiros ou outra profissão qualquer. Tenho uma visão humana, de que essas pessoas fazem uma falta enorme ao país”, refere Tiago Brandão Rodrigues, para quem “o país forma e depois não utiliza esses recursos”.
“Tenho muita apreensão em relação aos cortes duros e cegos na ciência nacional”, adianta ainda o investigador que, longe do seu país, não é alheio ao que por cá se passa. E que alerta, por exemplo, para a precaridade de muitos colegas seus na área das ciências, incluindo os bolseiros que “são muitas vezes os pilares da massa científica”. “A actividade científica é muitas vezes associada à paixão e à entrega e muitas vezes esquecemo-nos de exigir a outra parte”, comenta ainda Tiago Brandão Rodrigues.

“Eu não tenho a solução para Coura”
Inevitavelmente, a conversa com Tiago Brandão Rodrigues tinha de desaguar em Paredes de Coura, não fosse o investigador um filho da terra. Duma terra que o viu partir aos 15 anos, rumo a Braga, e que hoje o recebe de visita… ou pelos jornais. Mesmo longe continua, na medida do possível, a acompanhar a realidade courense e não tem dúvidas em afirmar que “Coura não escapa ao fado da interioridade”., tal como o próprio distrito de Viana do Castelo, “um distrito do litoral, com características do interior profundo”, analisa Tiago, que refere não ter existido capacidade para captar investimento. “Coura, sendo um concelho que aparece com centralidade, foi sempre um concelho periférico”, acrescenta.
Apesar disso, reconhece, Paredes de Coura assistiu a “um desenvolvimento enorme nos últimos anos”, nomeadamente ao nível das necessidade básicas, do desporto, da educação. “Mas mesmo com tudo isso, algo não funciona, as pessoas continuam a sair de Coura e o concelho continua muito bonito para as visitas, mas não para viver”, sintetiza o jovem investigador, que fala ainda no desaparecimento de serviços, decidido a nível central e que será difícil reverter. “Eu não tenho a solução”, esclarece Tiago Brandão Rodrigues quando confrontado com a melhor forma para inverter esta realidade.
Quando lhe perguntamos se o seu futuro passaria por um eventual regresso a Portugal, a resposta não vem pela negativa. “Não seria nada exótico, agora não, mas eventualmente no futuro”, responde Tiago Brandão Rodrigues que, contudo, já não vê com tanta facilidade um regresso a Paredes de Coura. “É difícil viver em Coura quando se tem necessidade do meio urbano”, desabafa, explicando que a sua  inquietação, neste momento, vai ainda mais longe: “não me tenho visto muito tempo no mesmo sítio”, explica, eventualmente lembrando-se de todas as aventuras que viveu nos últimos anos.

“É possível ter oportunidades”
As aventuras não lhe granjearam o epíteto de herói, mas será inegável dizer que os seus feitos podem servir de inspiração às gerações mais novas. “Ainda bem que isso acontece”, explica Tiago Brandão Rodrigues, que realça a importância da existência de modelos, muito embora reforçando que não tem ”nenhuma pretensão messiânica. Sou uma pessoa normal”.
Uma pessoa normal que foi em busca do que pretendia e que logrou alcançar o seu objectivo. “Podem ser eles, os mais novos, também. Eu brinquei nos mesmos sítios em que eles brincam”, explica, referindo-se especificamente aos alunos courenses. “É possível ter oportunidades, fazer o que se quer, basta trabalhar, esforçar-se e a probabilidade de se fazer o que se quer é enorme”, refere, acrescentando que “cada nova geração está melhor preparada do que a anterior. Só o facto de terem acesso a internet, televisão por cabo… são ferramentas enormes e com potencial”, lembra Tiago.
“Não tenho consciência se posso ser ou não um modelo, para ser modelo é preciso entender que se faz uma coisa bem, mas isto pode ser um catalisador”, explica ainda Tiago Brandão Rodrigues, referindo-se à propagação que o seu estudo teve e aos efeitos que ainda poderá vir a ter. “Se houver um aluno que seja que decida ir para um curso superior por causa destas notícias, já valeu a pena”, conclui o investigador.

3 comentários:

  1. " Foi para lá que seguiu depois do seu doutoramento em Madrid."

    O Tiago Doutorou-se em Coimbra , e não em Madrid como é referido.

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    1. Eduardo Brito Pontes17 de julho de 2015 às 12:15

      Disse e muito bem que não tinha soluções para os problemas de Coura, pois não é verdade, só agora como político num golpe de mágica vai mesmo revirar tudo ao contrário! Olhe, a política e os políticos estão muito por baixo, homens sem palavra só veem os seus interesses partidários e consequentemente os seus tachitos, é o que temos, lamente de forma séria e desapaixonada a tua decisão de trocar a investigação pela miserável política partidária, algo te correu mal na investigação, acho eu, para assim decidires, são coisas da vida parabéns pelo que já fizeste em investigação na politica vais por certo ser igualzinho a todos os outros.

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    2. Concordo consigo Eduardo!!

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