Há
várias semanas que o telemóvel e o computador de Tiago Brandão Rodrigues não
lhe dão descanso. São telefonemas, SMS, videoconferências, posts no Facebook
que se sucedem em catadupa. Pelos melhores motivos. O estudo que o jovem investigador
português desenvolveu e que permitirá o diagnóstico precoce da eficácia dos
tratamentos contra o cancro, saltou do laboratório de Cambridge, onde trabalha
há três anos, para as páginas da revista Nature
Medicine e daí conquistou a comunidade científica e médica. Conquistou uma
notoriedade e um mediatismo que contrastam com a forma de ser de Tiago Brandão
Rodrigues, um filho de Coura que não esquece as suas origens.
Foi
disso mesmo, do seu estudo, do seu percurso, das suas ideias para o futuro, que
falou numa entrevista feita à distância, por videoconferência, numa madrugada
duma semana onde o seu nome dominou primeiras páginas de jornais e revistas, em
que a sua voz foi ouvida na rádio e na televisão.
Primeiro
o estudo, o tal que promete revolucionar o tratamento do cancro (e
eventualmente de outras doenças, prevê Tiago). Um estudo que partiu “da
necessidade de conseguir entender se determinado tratamento está a funcionar
numa fase precoce”, esclarece, adiantando que se debruçou sobre um diagnóstico
feito por uma ressonância magnética hipersensível que permite medir o consumo
de glicose e, tendo em consideração que os tumores têm um consumo de glicose
superior, irá permitir uma mais rápida aferição dos resultados do tratamento.
“Às vezes os resultados, neste tipo de tratamentos, demoram a surgir e isso faz
com que seja demasiado tarde para voltar atrás e apostar noutro tipo de
tratamento. Com esta nova tecnologia conseguimos ver mais cedo se o tratamento
está a resultar”, explica Tiago Brandão Rodrigues, que não se cansa de
assinalar que este estudo é resultado dum trabalho de equipa e de quatro anos
de investigação.
Um
trabalho que ainda não está terminado, longe disso, adianta o responsável pela
investigação que aguarda agora a aplicação do seu estudo em ensaios clínicos,
um processo “moroso e caro”, mas que comercialmente é muito importante. “Por
cada 10 mil medicamentos desenvolvidos em laboratório, apenas um chega ao
mercado”, explica Tiago Brandão Rodrigues que, ressalvando que não se trata
duma técnica para curar o cancro, lembra a importância do seu trabalho no
diagnóstico da eficácia do tratamento.
Um
desafio constante
Tiago
está em Cambridge há três anos. Foi para lá que seguiu depois do seu
doutoramento em Madrid. “Estou em Inglaterra porque quero e vim para aqui
porque entendi que era isto que queria fazer”, esclarece logo à partida,
deitando por terra qualquer sensação de vitimização por ser obrigado a
trabalhar fora do seu país. A isso voltaremos mais adiante. Por agora Tiago vai
explicando as virtudes de trabalhar num país onde existe uma cultura de apoio à
ciência muito diferente da que vemos por cá. “Existe muita exigência, uma
competitividade enorme, mas podemos marcar a diferença. E podemos dar-nos a
esse luxo porque o país tem as necessidades básicas asseguradas e a sociedade
reconhece a importância da ciência, especialmente enquanto gerador de
recursos”, elucida Tiago Brandão Rodrigues, que fala ainda da importância da
filantropia no apoio à ciência. “A sociedade entende que o pagamento de
impostos não chega para esta área e não fica à espera do Estado, mobilizando-se
na captação de recursos”, adianta o investigador português, que lembra os
vários eventos que são organizados co vista à angariação de receitas, na ordem
dos muitos milhares de euros.
E
depois há a parte pessoal, aquela que reconhece a importância de estar inserido
num meio académico como o de Cambridge. “Viver aqui é um desafio constante”,
exulta, falando das virtudes de ter uma das capitais da Europa ali mesmo ao
lado, da multiplicidade de nacionalidades patente no laboratório em que
trabalha (15 diferentes, num total de 20 técnicos), da riqueza cultural de
Cambridge e da sua excelência e referência enquanto cidade académica, onde 99%
dos alunos acaba o curso no tempo devido. “Sinto-me aqui como uma criança de 10
anos na Disney”, assim resume Tiago a sua vivência em terras de sua majestade.
Surge,
então a pergunta inevitável: será ele, também, um dos frutos da falada “fuga de
cérebros” do nosso país? A resposta já tinha sido dada antes, e volta agora,
novamente firme: “Estou aqui porque quero!” E, acrescenta, fuga de cérebros
sempre existiu, não só a nível das ciências. “Existe claramente êxodo de trabalhadores
e no campo das ciências isso é prejudicial., mas a mim preocupa-me tanto a
saída de cientistas como de engenheiros ou outra profissão qualquer. Tenho uma
visão humana, de que essas pessoas fazem uma falta enorme ao país”, refere
Tiago Brandão Rodrigues, para quem “o país forma e depois não utiliza esses
recursos”.
“Tenho
muita apreensão em relação aos cortes duros e cegos na ciência nacional”,
adianta ainda o investigador que, longe do seu país, não é alheio ao que por cá
se passa. E que alerta, por exemplo, para a precaridade de muitos colegas seus
na área das ciências, incluindo os bolseiros que “são muitas vezes os pilares
da massa científica”. “A actividade científica é muitas vezes associada à
paixão e à entrega e muitas vezes esquecemo-nos de exigir a outra parte”,
comenta ainda Tiago Brandão Rodrigues.
“Eu
não tenho a solução para Coura”
Inevitavelmente,
a conversa com Tiago Brandão Rodrigues tinha de desaguar em Paredes de Coura,
não fosse o investigador um filho da terra. Duma terra que o viu partir aos 15
anos, rumo a Braga, e que hoje o recebe de visita… ou pelos jornais. Mesmo
longe continua, na medida do possível, a acompanhar a realidade courense e não
tem dúvidas em afirmar que “Coura não escapa ao fado da interioridade”., tal como
o próprio distrito de Viana do Castelo, “um distrito do litoral, com
características do interior profundo”, analisa Tiago, que refere não ter existido
capacidade para captar investimento. “Coura, sendo um concelho que aparece com
centralidade, foi sempre um concelho periférico”, acrescenta.
Apesar
disso, reconhece, Paredes de Coura assistiu a “um desenvolvimento enorme nos
últimos anos”, nomeadamente ao nível das necessidade básicas, do desporto, da educação.
“Mas mesmo com tudo isso, algo não funciona, as pessoas continuam a sair de
Coura e o concelho continua muito bonito para as visitas, mas não para viver”, sintetiza
o jovem investigador, que fala ainda no desaparecimento de serviços, decidido a
nível central e que será difícil reverter. “Eu não tenho a solução”, esclarece Tiago
Brandão Rodrigues quando confrontado com a melhor forma para inverter esta
realidade.
Quando
lhe perguntamos se o seu futuro passaria por um eventual regresso a Portugal, a
resposta não vem pela negativa. “Não seria nada exótico, agora não, mas eventualmente
no futuro”, responde Tiago Brandão Rodrigues que, contudo, já não vê com tanta
facilidade um regresso a Paredes de Coura. “É difícil viver em Coura quando se
tem necessidade do meio urbano”, desabafa, explicando que a sua inquietação, neste momento, vai ainda mais
longe: “não me tenho visto muito tempo no mesmo sítio”, explica, eventualmente
lembrando-se de todas as aventuras que viveu nos últimos anos.
“É
possível ter oportunidades”
As
aventuras não lhe granjearam o epíteto de herói, mas será inegável dizer que os
seus feitos podem servir de inspiração às gerações mais novas. “Ainda bem que
isso acontece”, explica Tiago Brandão Rodrigues, que realça a importância da
existência de modelos, muito embora reforçando que não tem ”nenhuma pretensão
messiânica. Sou uma pessoa normal”.
Uma
pessoa normal que foi em busca do que pretendia e que logrou alcançar o seu
objectivo. “Podem ser eles, os mais novos, também. Eu brinquei nos mesmos
sítios em que eles brincam”, explica, referindo-se especificamente aos alunos
courenses. “É possível ter oportunidades, fazer o que se quer, basta trabalhar,
esforçar-se e a probabilidade de se fazer o que se quer é enorme”, refere,
acrescentando que “cada nova geração está melhor preparada do que a anterior.
Só o facto de terem acesso a internet, televisão por cabo… são ferramentas
enormes e com potencial”, lembra Tiago.
“Não
tenho consciência se posso ser ou não um modelo, para ser modelo é preciso
entender que se faz uma coisa bem, mas isto pode ser um catalisador”, explica
ainda Tiago Brandão Rodrigues, referindo-se à propagação que o seu estudo teve
e aos efeitos que ainda poderá vir a ter. “Se houver um aluno que seja que
decida ir para um curso superior por causa destas notícias, já valeu a pena”,
conclui o investigador.